Nota de Imprensa

Lutécia: Um sobrevivente raro da altura do nascimento da Terra

11 de Novembro de 2011

Novas observações indicam que o asteróide Lutécia é um fragmento que restou da matéria original que formou a Terra, Vénus e Mercúrio. Os astrónomos combinaram dados da sonda espacial Rosetta da ESA, do New Technology Telescope do ESO e de telescópios da NASA e descobriram que as propriedades do asteróide são muito similares às de um tipo raro de meteoritos encontrados na Terra e que se pensa terem sido formados nas regiões interiores do Sistema Solar. Lutécia deslocou-se provavelmente no passado para a sua órbita atual, situada na principal cintura de asteróides entre Marte e Júpiter.

Uma equipa de astrónomos de universidades francesas e norte-americanas estudou o invulgar asteróide Lutécia detalhadamente num grande intervalo de comprimentos de onda [1], com o intuito de determinar a sua composição. Foram combinados dados oriundos da câmara OSIRIS situada a borda da sonda espacial da ESA Rosetta [2], do New Technology Telescope (NTT) do ESO instalado no Observatório de La Silla no Chile e do Infrared Telescope Facility no Hawaii e Spitzer Space Telescope, ambos da NASA. Com todos estes dados foi possível obter o espectro mais completo alguma vez construído para um asteróide [3].

O espectro foi seguidamente comparado com o de meteoritos encontrados na Terra e que têm sido estudados extensivamente em laboratório. Apenas um tipo de meteorito - condritos enstatite, também conhecidos como condritos do tipo E - apresenta propriedades semelhantes a Lutécia em todos os comprimentos de onda estudados.

Os condritos enstatite são conhecidos por conterem material que data dos primórdios do Sistema Solar. Pensa-se que se tenham formado perto do jovem Sol e que tenham constituído o principal material de construção dos planetas rochosos [4], em particular Terra, Vénus, e Mercúrio [5]. Lutécia parece ter tido origem, não na cintura de asteróides onde hoje se encontra, mas muito mais próximo do Sol.

“Como é que Lutécia terá escapado do Sistema Solar interior  e chegado à cintura de asteróides?” pergunta Pierre Vernazza (ESO), o autor principal do artigo científico que descreve este resultado.

Os astrónomos estimaram que, dos corpos situados na região onde a Terra se formou, apenas menos de 2% chegaram à cintura de asteróides principal. A maioria dos corpos desapareceu depois de alguns milhões de anos, incorporados nos jovens planetas em formação. No entanto, alguns do maiores, com diâmetros de cerca de 100 quilómetros ou mais, foram lançados para órbitas mais seguras, mais longe do Sol.

Lutécia, que tem uma dimensão de cerca de 100 quilómetros, pode ter sido ejetado para fora das regiões interiores do Sistema Solar se passou próximo de um dos planetas rochosos, capazes de alterar drasticamente a sua órbita [6]. Um encontro com o jovem Júpiter durante a sua migração para a atual órbita, pode justificar igualmente a grande variação de órbita de Lutécia [7].

“Pensamos que Lutécia  sofreu uma tal ejeção. Acabou por se tornar num dos objetos da cintura de asteróides e aí se tem mantido preservado desde há quatro milhares de milhões de anos,” continua Pierre Vernazza.

Estudos anteriores das propriedades de cor e superfície deste asteróide mostraram que Lutécia é um membro da cintura de asteórides bastante invulgar e misterioso. Rastreios anteriores mostraram que objetos deste tipo são muito raros, representando menos de 1% da população de asteróides da cintura principal. Os novos resultados explicam porque é que Lutécia é diferente - é um sobrevivente muito raro do material original que formou os planetas rochosos.

“Lutécia parece ser um dos maiores, e dos poucos, restos de tal material na cintura de asteróides. Por esta razão, asteróides como Lutécia são alvos ideais para missões futuras de recolha de amostras. Deste modo poderíamos estudar detalhadamente a origem dos planetas rochosos, incluindo a Terra,” conclui Pierre Vernazza.

Notas

[1] O espectro electromagnético representa todo o intervalo de comprimentos de onda coberto pelos diferentes tipos de radiação electromagnética. A mais familiar é, sem dúvida, a radiação visível, mas existem muitas outras. Muitos destes tipos de radiação são utilizados na vida corrente, tais como ondas rádio, microondas, luz infravermelha e ultravioleta e raios X.

[2] A sonda espacial Rosetta passou por Lutécia em 10 de Julho de 2010, no percurso que a levará até ao cometa 67P/Chuyumov-Gerasimenko.

[3] A câmara OSIRIS instalada na sonda Rosetta forneceu dados no ultravioleta, o NTT do ESO  no visível, o Infrared Telescope Facility da NASA no infravermelho próximo enquanto o Spitzer Space Telescope forneceu dados no infravermelho médio.

[4] Os condritos enstatite (condritos do tipo E) são uma classe única de meteoritos, constituindo apenas 2% de todos os meteoritos recuperados. A mineralogia e química invulgares dos condritos E é consistente com uma formação relativamente próxima do Sol. Este facto é igualmente apoiado pelas medições de isótopos (verificadas para oxigénio, azoto, ruténio, crómio e titânio): os condritos E são o únicos grupo de condritos que possui a mesma composição isotópica que os sistemas da Terra e da Lua. Este facto sugere de maneira enfática que a Terra se formou a partir de materiais do tipo condrito enstatite e sugere igualmente que os condritos E se formaram à mesma distância do Sol que a Terra.

Adicionalmente, foi mostrado recentemente que a formação a partir de condritos enstatite poderá explicar a invulgar e anteriormente inexplicável composição de Mercúrio, o que sugere que Mercúrio - tal como a Terra - terá acretado grandes quantidades de material do tipo condrito enstatite.

[5] Permanece o mistério do porquê dos três planetas interiores serem tão diferentes, uma vez que se formaram a partir de material semelhante.

[6] Este processo é semelhante aos métodos de assistência gravitacional utilizados para alterar a direção e velocidade das sondas espaciais, obrigando-as a passar perto de um planeta.

[7] Alguns astrónomos pensam que o gigante gasoso possa ter estado mais próximo do Sol nos primórdios do Sistema Solar, antes de se mover mais para o exterior e ocupar a sua atual posição. Este processo teria sido caótico para as órbitas dos outros objetos do Sistema Solar interior, devido à enorme atração gravitacional provocada por Júpiter.

Informações adicionais

Este trabalho foi apresentado num artigo científico intitulado “Asteroid (21) Lutetia as a remnant of Earth’s precursor planetesimals”, que será publicado na revista científica da especialidade Icarus.

A equipa é composta por P. Vernazza (Laboratoire d’Astrophysique de Marseille (LAM), França; European Southern Observatory, Alemanha), P. Lamy (LAM, França), O. Groussin (LAM, França), T. Hiroi (Department of Geological Sciences, Brown University, EUA), L. Jorda(LAM, França), P.L. King (Institute for Meteoritics, University of New Mexico, EUA), M.R.M. Izawa (Department of Earth Sciences, University of Western Ontario, Canadá), F. Marchis (Carl Sagan Center at the SETI Institute, EUA; IMCCE, Observatoire de Paris (OBSPM), França), M. Birlan (IMCCE, OBSPM, França), R. Brunetto (Institut d'Astrophysique Spatiale, CNRS, França).

O ESO, o Observatório Europeu do Sul, é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é  financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio  ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio da classe dos 40 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será “o maior olho no céu do mundo”.

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Pierre Vernazza
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Philippe Lamy
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Marseille, France
Tel: +33 49 105 5932
Email: philippe.lamy@oamp.fr

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso1144, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso1144pt
Nome:Asteroid (21) Lutetia
Tipo:Solar System : Interplanetary Body : Asteroid
Facility:New Technology Telescope
Instrumentos:EMMI
Science data:2011Icar..216..650V

Imagens

An image of the strange asteroid Lutetia from the ESA Rosetta probe
An image of the strange asteroid Lutetia from the ESA Rosetta probe
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Artist's impression of the asteroid Lutetia making a close approach to a planet in the early Solar System
Artist's impression of the asteroid Lutetia making a close approach to a planet in the early Solar System
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Artist's impression of the development of the Solar System
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Vídeos

The unusual history of the asteroid Lutetia
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