Nota de Imprensa

Astrónomos descobrem micronovas, um novo tipo de explosão estelar

20 de Abril de 2022

Com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), uma equipa de astrónomos observou um novo tipo de explosão estelar — uma micronova. Estas explosões ocorrem na superfície de certas estrelas e podem queimar cerca de 3,5 mil milhões de Grandes Pirâmides de Gizé de material estelar em apenas algumas horas.

Descobrimos e identificámos pela primeira vez algo a que estamos a chamar micronova,” explica Simone Scaringi, astrónomo na Universidade de Durham, Reino Unido, que liderou o estudo sobre estas explosões publicado hoje na revista Nature. “O fenómeno desafia o nosso entendimento de como é que as explosões termonucleares ocorrem nas estrelas. Pensávamos que já sabíamos isso, mas esta descoberta propõe-nos um modo completamente novo disto acontecer,” acrescenta.

As micronovas são eventos extremamente poderosos, no entanto são também eventos pequenos à escala astronómica; são muito menos energéticos que as explosões estelares conhecidas como novas, as quais os astrónomos conhecem desde há séculos. Ambos os tipos de explosões ocorrem em anãs brancas, estrelas “mortas” com uma massa comparável à do nosso Sol, mas tão pequenas como o Terra em termos de tamanho, o que significa que são objetos muito densos.

Uma anã branca num sistema binário pode "roubar" material, essencialmente hidrogénio, à sua estrela companheira se ambas estiveram suficientemente próximas uma da outra. À medida que este gás vai caindo na superfície muito quente da estrela anã branca, os átomos de hidrogénio vão-se fundindo em hélio de modo bastante explosivo. Nas novas, estas explosões termonucleares ocorrem em toda a superfície estelar. “Tais detonações fazem com que toda a superfície da anã branca arda e brilhe intensamente durante várias semanas,” explica a co-autora do estudo, Nathalie Degenaar, astrónoma na Universidade de Amesterdão, Países Baixos.

As micronovas são explosões semelhantes mas mais pequenas em escala e mais rápidas, durando apenas algumas horas. Ocorrem em algumas anãs brancas com campos magnéticos fortes, onde o material é encaminhado em direção aos pólos magnéticos da estrela. “Vimos pela primeira vez que a fusão do hidrogénio também se pode dar de maneira localizada. O hidrogénio fica contido na base dos pólos magnéticos de algumas anãs brancas, de tal maneira que a fusão ocorre apenas nesses pólos magnéticos,” disse Paul Groot, co-autor do estudo e astrónomo na Universidade de Radbound, Países Baixos.

Isto leva a que bombas de micro-fusão expludam, com cerca de uma milionésima da força de uma explosão de nova; daí o nome de micronova,” continua Groot. Apesar do “micro” implicar que estes eventos são pequenos, não nos devemos deixar enganar: apenas uma destas explosões pode queimar aproximadamente 20 000 000 biliões de kg de matéria, ou seja, o correspondente a cerca de 3,5 mil milhões de Grandes Pirâmides de Gizé [1].

Estas novas micronovas desafiam a compreensão dos astrónomos no que concerne explosões estelares, podendo ser mais abundantes do que o que se pensava anteriormente. “Isto mostra bem como o Universo é dinâmico. Estes eventos podem ser, de facto, bastante comuns, mas como são extremamente rápidos acabam por ser difíceis de apanhar no momento do ato,” explica Scaringi.

A equipa descobriu inicialmente estas micro-explosões misteriosas quando estava a analisar dados do satélite TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA. “Ao analisarmos os dados astronómicos recolhidos pelo TESS, descobrimos algo invulgar: um clarão de luz visível brilhante com a duração de apenas algumas horas. Ao investigarmos o fenómeno mais atentamente, descobrimos vários outros sinais semelhantes,” diz Degenaar.

A equipa observou três micronovas com o TESS: duas em anãs brancas conhecidas e uma terceira que necessitou de mais observações, colectadas com o instrumento X-shooter montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO, para se confirmar que se tratava também de uma anã branca.

Com a ajuda do VLT, descobrimos que todos estes clarões de luz visível eram produzidos por anãs brancas,” diz Degenaar. “Esta observação foi crucial para interpretarmos os nossos resultados e para a descoberta das micronovas,” acrescenta Scaringi.

A descoberta de micronovas junta-se ao repertório de explosões estelares conhecidas. A equipa quer agora capturar mais destes eventos elusivos, o que requer rastreios de larga escala e medições de seguimento rápidas. “Uma resposta rápida por telescópios tais como o VLT ou o New Technology Telescope do ESO e respetivos complementos de instrumentos disponíveis, permitir-nos-á investigar com mais detalhe o que são na realidade estas misteriosas micronovas,” conclui Scaringi.

Notas

[1] O peso da Grande Pirâmide de Gizé no Cairo, Egipto (também conhecida por Pirâmide de Khufu ou Pirâmide de Quéops) é cerca de 5 900 000 000 kg, o que significa que 3,5 mil milhões destas pirâmides correspondem aproximadamente a 20 000 000 000 000 000 000 kg de matéria!

Informações adicionais

Este trabalho de investigação foi descrito num artigo intitulado "Localised thermonuclear bursts from accreting magnetic white dwarfs" (doi: 10.1038/s41586-022-04495-6) publicado na revista Nature. Um pequeno artigo (Letter) de seguimento intitulado "Triggering micronovae through magnetically confined accretion flows in accreting white dwarfs" foi aceite para publicação na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

A equipa é composta por S. Scaringi  (Centre for Extragalactic Astronomy, Department of Physics, Durham University, Reino Unido [CEA]), P. J. Groot (Departamento de Astrofísica, Universidade de Radboud, Nijmegen, Países Baixos [IMAPP] e South African Astronomical Observatory, Cape Town, África do Sul [SAAO] e Department of Astronomy, University of Cape Town, África do Sul [Cape Town]), C. Knigge (School of Physics and Astronomy, University of Southampton, Southampton, Reino Unido [Southampton]), A.J. Bird (Southampton) , E. Breedt (Institute of Astronomy, University of Cambridge, Reino Unido), D. A. H. Buckley (SAAO, Cape Town, Department of Physics, University of the Free State, Bloemfontein, África do Sul), Y. Cavecchi (Instituto de Astronomía, Universidad Nacional Autónoma de México, Ciudad de México, México), N. D. Degenaar (Instituto de Astronomia Anton Pannekoek, Universidade de Amesterdão, Amesterdão, Países Baixos), D. de Martino (INAF-Osservatorio Astronomico di Capodimonte, Naples, Itália), C. Done (CEA), M. Fratta (CEA), K. Iłkiewicz (CEA), E. Koerding (IMAPP), J.-P. Lasota (Centro Astronómico Nicolaus Copernicus, Academia de Ciências Polaca, Varsóvia, Polónia e Institut d’Astrophysique de Paris, CNRS et Sorbonne Universités, Paris, França), C. Littlefield (Department of Physics, University of Notre Dame, EUA e Department of Astronomy, University of Washington, Seattle, EUA [UW]), C. F. Manara (Observatório Europeu do Sul, Garching, Alemanha [ESO]), M. O’Brien (CEA), P. Szkody (UW), F. X. Timmes (School of Earth and Space Exploration, Arizona State University, Arizona, EUA, e Joint Institute for Nuclear Astrophysics - Center for the Evolution of the Elements, EUA).

O Observatório Europeu do Sul (ESO) ajuda cientistas de todo o mundo a descobrir os segredos do Universo, o que, consequentemente, beneficia toda a sociedade. No ESO concebemos, construimos e operamos observatórios terrestres de vanguarda — os quais são usados pelos astrónomos para investigar as maiores questões astronómicas da nossa época e levar ao público o fascínio da astronomia — e promovemos colaborações internacionais em astronomia. Estabelecido como uma organização intergovernamental em 1962, o ESO é hoje apoiado por 16 Estados Membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça), para além do Chile, o país de acolhimento, e da Austrália como Parceiro Estratégico. A Sede do ESO e o seu centro de visitantes e planetário, o Supernova do ESO, situam-se perto de Munique, na Alemanha, enquanto o deserto chileno do Atacama, um lugar extraordinário com condições únicas para a observação dos céus, acolhe os nossos telescópios. O ESO mantém em funcionamento três observatórios: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, assim como dois telescópios de rastreio: o VISTA, que trabalha no infravermelho, e o VLT Survey Telescope, concebido para mapear o céu no visível. Ainda no Paranal, o ESO acolherá e operará o Cherenkov Telescope Array South, o maior e mais sensível observatório de raios gama do mundo. Juntamente com parceiros internacionais, o ESO opera o APEX e o ALMA no Chajnantor, duas infraestruturas que observam o céu no domínio do milímetro e do submilímetro. No Cerro Armazones, próximo do Paranal, estamos a construir “o maior olho do mundo voltado para o céu” — o Extremely Large Telescope do ESO. Dos nossos gabinetes em Santiago do Chile, apoiamos as nossas operações no país e trabalhamos com parceiros chilenos e com a sociedade chilena.

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso2207, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso2207pt
Tipo:Unspecified : Star
Facility:Very Large Telescope
Instrumentos:X-shooter
Science data:2022Natur.604..447S

Imagens

Imagem artística de uma micronova
Imagem artística de uma micronova
Imagem artística de uma micronova (vista de perto)
Imagem artística de uma micronova (vista de perto)

Vídeos

Micronovas — um novo tipo de explosão estelar (ESOcast 254 Light)
Micronovas — um novo tipo de explosão estelar (ESOcast 254 Light)
Animação artística de uma micronova
Animação artística de uma micronova
Animação artística de um binário com uma anã branca
Animação artística de um binário com uma anã branca