Nota de Imprensa

Astrónomos observam campos magnéticos nas bordas do buraco negro de M87

24 de Março de 2021

A colaboração EHT (Event Horizon Telescope), que nos mostrou a primeira imagem de um buraco negro, revelou hoje uma nova vista do objeto massivo situado no centro da galáxia Messier 87 (M87): o buraco negro em luz polarizada. Esta é a primeira vez que os astrónomos conseguiram medir polarização, uma assinatura de campos magnéticos, tão perto da borda de um buraco negro. Estas observações são cruciais para explicar como é que a M87, situada a 55 milhões de anos-luz de distância de nós, consegue lançar jatos energéticos a partir do seu centro.

Estamos agora a ver a próxima pista crucial para compreender como é que os campos magnéticos se comportam em torno dos buracos negros e como é que a atividade nesta região compacta do espaço consegue lançar jatos tão poderosos que se estendem para lá da galáxia,” disse Monika Mościbrodzka, Coordenadora do Grupo de Trabalho de Polarimetria do EHT e Professora Auxiliar na Universidade Radboud na Holanda.

No dia 10 de Abril de 2019, os cientistas divulgaram a primeira imagem de um buraco negro, relevando uma estrutura brilhante em forma de anel com uma região central escura — a sombra do buraco negro. Desde essa altura, a colaboração EHT tem estado a analisar com muito detalhe os dados colectados em 2017 do objeto supermassivo que se situa no coração da galáxia M87 e descobriu que uma fracção significativa da luz em torno do buraco negro da M87 se encontra polarizada.

Esta descoberta é um marco importante: a polarização da luz transporta informação que nos permite compreender melhor a física por detrás da imagem que vimos em Abril de 2019, o que não tinha sido possível nessa altura,” explica Iván Martí-Vidal, também Coordenador do Grupo de Trabalho de Polarimetria do EHT e Investigador GenT na Universidade de Valencia, Espanha, acrescentando que “para revelar esta nova imagem em luz polarizada foram precisos anos de trabalho devido às técnicas complexas envolvidas na obtenção e análise dos dados.

A luz torna-se polarizada quando passa por determinados filtros, tal como as lentes polarizadas dos óculos de sol ou quando é emitida em regiões quentes do espaço onde existem campos magnéticos. Do mesmo modo que os óculos de sol polarizados nos ajudam a ver melhor ao diminuirem reflexões e brilhos fortes de superfícies resplandecentes, também os astrónomos podem ter uma visão mais nítida da região em torno do buraco negro ao observar como é que a luz que daí emerge está polarizada. Particularmente, a polarização permite aos astrónomos mapear as linhas de campo magnético presentes na borda interior do buraco negro.

As novas imagens polarizadas publicadas são cruciais para compreendermos como é que o campo magnético permite que o buraco negro 'coma' matéria e lance jatos poderosos,” diz Andrew Chael, membro da colaboração EHT e bolseiro Hubble da NASA no Princeton Center for Theoretical Science e Princeton Gravity Initiative nos EUA.

Os jatos brilhantes de energia e matéria que emergem do núcleo da M87 e se estendem pelo menos ao longo de 5000 anos-luz a partir do seu centro são uma das estruturas mais misteriosas e energéticas da galáxia. A maioria da matéria que se encontra perto das bordas do buraco negro cai para dentro deste. No entanto, algumas das partículas circundantes escapam momentos antes de serem capturadas e são lançadas para o espaço sob a forma de jatos.

Os astrónomos fazem-se valer de diferentes modelos teóricos que explicam como a matéria se comporta perto do buraco negro para compreenderem melhor este processo. No entanto, ainda não se sabe exatamente como é que jatos maiores que a galáxia são lançados da sua região central, região esta que é comparável ao nosso Sistema Solar em termos de tamanho, nem se sabe exatamente como é que a matéria cai no buraco negro. Com a nova imagem EHT do buraco negro e da sua sombra em luz polarizada, os astrónomos conseguiram olhar pela primeira vez para a região que fica logo a seguir ao buraco negro, local onde ocorre a interação entre a matéria que está a fluir para o buraco negro e a matéria que está a ser ejetada.

As observações dão-nos novas informações sobre a estrutura dos campos magnéticos na vizinhança imediata do buraco negro. A equipa descobriu que apenas modelos teóricos com gás fortemente magnetizado conseguem explicar o que estamos a ver no horizonte de eventos.

As observações sugerem que os campos magnéticos na borda do buraco negro são suficientemente fortes para empurrar o gás quente e ajudá-lo a resistir à força da gravidade. Apenas o gás que escapa ao campo magnético consegue espiralar em direção ao horizonte de eventos do buraco negro,” explica Jason Dexter, Professor Auxiliar na University of Colorado Boulder, EUA, e Coordenador do Grupo de Trabalho de Teoria do EHT.

Para observar o coração da M87, a colaboração EHT ligou oito telescópios situados em vários locais do mundo — incluindo o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX) no norte do Chile, dos quais o ESO é parceiro — para criar um telescópio virtual do tamanho da Terra, o EHT. A impressionante resolução obtida com o EHT é equivalente a conseguir medir o comprimento de um cartão de crédito na superfície da Lua.

Com o ALMA e o APEX, que a partir da sua localização austral melhoram a qualidade da imagem ao aumentar geograficamente a rede EHT, os cientistas europeus desempenharam um papel crucial neste trabalho de investigação,” diz Francisca Kemper, Cientista do ALMA europeu no ESO. “Com as suas 66 antenas, o ALMA domina o sinal total colectado em luz polarizada, enquanto o APEX se revelou essencial para a calibração da imagem.

Os dados ALMA foram também cruciais para calibrar, obter a imagem e interpretar as observações do EHT, fornecendo limites apertados aos modelos teóricos que explicam como é que a matéria se comporta perto do horizonte de eventos do buraco negro,” acrescenta Ciriaco Goddi, cientista na Universidade Radboud e no Observatório de Leiden, Holanda, que liderou um estudo companheiro baseado apenas nas observações ALMA.

 A rede EHT permitiu à equipa observar de forma direta a sombra do buraco negro e o anel de luz que a rodeia, com a nova imagem em luz polarizada a mostrar que o anel está magnetizado. Os resultados são publicados hoje pela colaboração EHT em dois artigos científicos na revista da especialidade The Astrophysical Journal Letters. Este trabalho de investigação envolveu mais de 300 cientistas de muitas organizações e universidades de todo o mundo.

O EHT está a fazer rápidos progressos, com atualizações tecnológicas à rede a serem executadas e novos observatórios a serem adicionados. Esperamos que as observações do futuro EHT revelem mais precisamente a estrutura do campo magnético em torno do buraco negro e nos digam mais sobre a física do gás quente nesta região," conclui Jongho Park, membro da colaboração EHT e bolseiro da Associação de Observatórios Principais do Leste Asiático no Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sinica em Taipei.

Informações adicionais

Este trabalho de investigação foi apresentado em dois artigos científicos da colaboração EHT publicados hoje na revista da especialidade The Astrophysical Journal Letters e intitulados "First M87 Event Horizon Telescope Results VII: Polarization of the Ring" e "First M87 Event Horizon Telescope Results VIII: Magnetic Field Structure Near The Event Horizon”. Um trabalho de investigação companheiro foi apresentado num artigo intitulado "Polarimetric properties of Event Horizon Telescope targets from ALMA" de Goddi, Martí-Vidal, Messias, e da colaboração EHT, que foi aceite para publicação na revista da especialidade The Astrophysical Journal Letters.

A colaboração EHT envolve mais de 300 investigadores da África, Ásia, Europa e América. A colaboração internacional pretende capturar as imagens mais detalhadas de sempre de um buraco negro ao criar um telescópio virtual do tamanho da Terra. Apoiado por investimento internacional considerável, o EHT liga telescópios já existentes usando sistemas inovadores para criar um instrumento fundamentalmente novo com a maior resolução angular alguma vez atingida.

Os telescópios individuais envolvidos são: Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), Atacama Pathfinder Experiment (APEX), Telescópio IRAM de 30 metros (Institut de Radioastronomie Millimetrique), IRAM NOEMA Observatory, James Clerk Maxwell Telescope (JCMT), Large Millimeter Telescope (LMT), Submillimeter Array (SMA), Submillimeter Telescope (SMT), South Pole Telescope (SPT), Kitt Peak Telescope e Greenland Telescope (GLT).

O consórcio EHT é constituído por 13 institutos investidores: Academia Sinica Institute of Astronomy and Astrophysics, University of Arizona, University of Chicago, East Asian Observatory, Goethe-Universitaet Frankfurt, Institut de Radioastronomie Millimétrique, Large Millimeter Telescope, Max Planck Institute for Radio Astronomy, MIT Haystack Observatory, National Astronomical Observatory of Japan, Perimeter Institute for Theoretical Physics, Radboud University e Smithsonian Astrophysical Observatory.

O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO tem 16 Estados Membros: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, para além do país de acolhimento, o Chile, e a Austrália, um parceiro estratégico. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera  o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo, para além de dois telescópios de rastreio: o VISTA, que trabalha no infravermelho, e o VLT Survey Telescope, concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é também um parceiro principal em duas infraestruturas situadas no Chajnantor, o APEX e o ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o Extremely Large Telescope (ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.

O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma infraestrutura astronómica internacional, surge no âmbito de uma parceria entre o ESO, a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado pelo ESO em prol dos seus Estados Membros, pela NSF em cooperação com o Conselho de Investigação Nacional do Canadá (NRC) e do Conselho Nacional Científico da Taiwan (NSC) e pelo NINS em cooperação com a Academia Sinica (AS) da Taiwan e o Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço da Coreia (KASI). A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em prol dos seus Estados Membros; pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia dos Estados Unidos (NRAO), que é gerido pela Associação de Universidades, Inc. (AUI), em prol da América do Norte e pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), em prol do Leste Asiático. O Observatório Conjunto ALMA (JAO) fornece uma liderança e gestão unificadas na construção, comissionamento e operação do ALMA.

O grupo de investigação BlackHoleCam recebeu a Bolsa de Sinergia de 2013 no valor de 14 milhões de euros do Conselho Europeu de Investigação. Os Investigadores Principais são Heino Falcke, Luciano Rezzolla e Michael Kramer e os institutos parceiros são JIVE, IRAM, MPE Garching, IRA/INAF Bologna, SKA e ESO. O BlackHoleCam faz parte da colaboração Event Horizon Telescope.

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso2105, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso2105pt
Nome:Messier 87
Tipo:Local Universe : Galaxy : Component : Central Black Hole
Facility:Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, Atacama Pathfinder Experiment
Science data:2021ApJ...910L..14G

Imagens

Imagem do buraco negro da M87 em luz polarizada
Imagem do buraco negro da M87 em luz polarizada
Imagem do buraco negro supermassivo e jato da M87 em luz polarizada
Imagem do buraco negro supermassivo e jato da M87 em luz polarizada
Imagem do jato da M87 no visível e imagens em luz polarizada do jato e do buraco negro supermassivo da mesma galáxia
Imagem do jato da M87 no visível e imagens em luz polarizada do jato e do buraco negro supermassivo da mesma galáxia
Imagem ALMA do jato da M87 em luz polarizada
Imagem ALMA do jato da M87 em luz polarizada
Primeira imagem de um buraco negro
Primeira imagem de um buraco negro
Messier 87 capturada pelo Very Large Telescope do ESO
Messier 87 capturada pelo Very Large Telescope do ESO
Imagem artística do buraco negro no coração da M87
Imagem artística do buraco negro no coração da M87
Messier 87 na constelação da Virgem
Messier 87 na constelação da Virgem
A contribuição crucial do ALMA e do APEX ao EHT
A contribuição crucial do ALMA e do APEX ao EHT

Vídeos

ESOcast 235 Light: Astrónomos observam campos magnéticos nas bordas de buraco negro
ESOcast 235 Light: Astrónomos observam campos magnéticos nas bordas de buraco negro
Aproximação ao coração da M87 para ver uma nova imagem do seu buraco negro
Aproximação ao coração da M87 para ver uma nova imagem do seu buraco negro