Unidades de Campo Integral

Como obter uma imagem 3D de uma galáxia completa em apenas uma observação

Pense numa mosca. Já alguma vez tentou apanhar alguma? Tem que ser muito rápido porque, tal como a maioria dos insectos, as moscas conseguem detectar movimentos em 360º à sua volta. O segredo está nos seus olhos compostos, constituídos por um grande número de minúsculos fotorreceptores (chamados omatídeos), que  trabalham em conjunto para formar uma imagem muito grande. As formigas podem ter desde alguns omatídeos até milhares, as moscas e as abelhas têm vários milhares e as borboletas e libelinhas têm várias dezenas de milhar. Quanto maior o número de omatídeos, maior será o campo de visão do insecto e mais nítida a sua visão.

Usando um príncipio similar, mas com um objetivo completamente diferente, os cientistas desenvolveram um instrumento chamado unidade de campo integral (acrónimo do inglês, IFU). Numa IFU o campo de visão está dividido em muitas células ou segmentos de modo a obter-se uma imagem extensa total. As IFUs são muito usadas em observações remotas da Terra, mais especificamente em previsões do tempo e na monitorização de desastres naturais e mudanças climáticas.

Close-up of a fly, showing the composite eyes in detail
Imagem de grande plano de uma mosca, onde se vê os olhos compostos com todo o pormenor. As gotas de água atuam como lentes, fazendo com que se distingam na perfeição os omatídeos à sua superfície. Esta configuração de olhos compostos permite que seres vivos minúsculos como os insectos tenham grandes detectores visuais (relativamente à área de superfície dos seus corpos),o que lhes dá um grande campo de visão. Crédito: Alberto Ghizzi Panizza

As IFUs são usadas em astronomia para estudar objetos extensos, tais como nebulosas, galáxias ou enxames de estrelas ou galáxias "apinhados", com apenas uma observação, utilizando-se uma técnica conhecida por espectroscopia de campo integral. Neste método, o sinal de cada célula ou pixel do campo é levado a um espectrógrafo, que depois gera um espectro para cada um destes pixels individuais. Os espectros resultantes são dispostos num cubo de dados (ver Figura 1), que contém o campo de visão 2D completo mais uma terceira dimensão retirada do espectrógrafo, que separa a radiação em diferentes cores ou comprimentos de onda (ver Figura 2). Os astrónomos usam toda esta informação obtida pelos espectrógrafos de campo integral para medir, por exemplo, o movimento do gás numa galáxia distante (ver eso1437) ou as distâncias a diferentes galáxias encontradas no campo de visão (ver eso1507).

MUSE views the strange galaxy NGC 4650A
Figura 1. Imagens MUSE da estranha galáxia NGC 4650A.
Crédito: Consórcio ESO/MUSE /R. Bacon/L. Calçada
MUSE colour-coded image of NGC 4650A
Figura 2. Imagem MUSE codificada a cores da NGC 4650A.
Crédito: Consórcio ESO/MUSE /R. Bacon

Diferentes tipos de IFUs utilizam diferentes técnicas para dividir o campo de visão. As três principais usadas em astronomia são:

  1. Uma rede de microlentes (muito semelhante aos olhos compostos dos insectos).
  2. um conjunto de fibras, que pode ser usado sozinho ou em conjunto com a rede de microlentes (ver Figura 3).
  3. Um cortador de imagem (ver Figura 4).

G. Courtes foi o primeiro a ter a ideia de uma IFU, em 1982. Esta ferramenta teve a sua primeira aplicação astronómica no instrumento TIGER, que viu a sua primeira luz em 1987 no Telescópio Canada-France-Hawaii (CFHT) de 3,6 metros, em Mauna Kea, Hawaii. A IFU do TIGERS é uma rede de lentes.

An illustration of how the IFUs function
Figura 3. Uma ilustração de como funcionam as IFUs.
Crédito: ESO
The Principle of Integral Field Spectroscopy (IFS)
Figura 4. O Príncípio da Espectroscopia de Campo Integral (IFS)
Crédito: ESO

No ESO, o primeiro espectrógrafo de campo integral foi o SINFONI, que viu a sua primeira luz no Very Large Telescope (VLT) em 2004. O SINFONI trabalho com um cortador de imagem, utilizando o mesmo princípio que o mais recente MUSE, o qual possui uma IFU gigante. O espectrógrafo multi-objetos FLAMES tem também duas unidades de campo integral, enquanto que o espectrógrafo infravermelho de segunda geração KMOS tem 24 pequenas IFUs, cada uma instalada num braço que se pode movimentar. O VIMOS tem também uma IFU relativamente larga, que combina microlentes com um conjunto de fibras. Todos estes instrumentos têm caraterísticas diferentes — são sensíveis a diferentes comprimentos de onda, têm diferentes campos de visão e diferentes resoluções espectrais — o que os torna adequados para observar diferentes tipos de objetos e resolver diferentes questões astronómicas.

Os espectrógrafos de campo Integral estão a tornar-se cada vez mais sofisticados, com detectores maiores, que nos dão uma compreensão mais profunda e nítida do cosmos a 3D. Num paralelo com o mundo dos insectos, podemos dizer que as IFUs se estão a desenvolver de formigas para libelinhas.

Destaque científicos

  • Veja os destaques científicos do FLAMES.
  • Veja os destaques científicos do VIMOS.
  • Veja os destaques científicos do SINFONI.
  • Veja os destaques científicos do MUSE.
  • Veja os destaques científicos do KMOS.

Imagens adicionais