Nota de Imprensa
Anã branca fustiga anã vermelha com raio misterioso
27 de Julho de 2016
Os astrónomos utilizaram o Very Large Telescope do ESO, para além doutros telescópios tanto no solo como no espaço, e descobriram um novo tipo de estrela binária bastante exótica. No sistema AR Scorpii, uma anã branca em rotação rápida acelera electrões até quase à velocidade da luz. Estas partículas de alta energia libertam quantidades de radiação que fustigam a estrela companheira, uma anã vermelha, fazendo com que todo o sistema pulse drasticamente a cada 1,97 minutos e liberte radiação que vai desde o ultravioleta às ondas rádio. Este trabalho será publicado na revista Nature a 28 de julho de 2016.
Em maio de 2015, um grupo de astrónomos amadores da Alemanha, Bélgica e Reino Unido, encontrou um sistema estelar que se comportava de um modo nunca antes observado. Observações de seguimento, lideradas pela Universidade de Warwick e fazendo uso de vários telescópios, colocados tanto no solo como no espaço [1], revelaram a verdadeira natureza deste sistema anteriormente mal identificado.
O sistema estelar AR Scorpii, ou AR Sco, situa-se na constelação do Escorpião a 380 anos-luz de distância da Terra. É composto por uma anã branca [2] em rotação rápida, do tamanho da Terra mas com cerca de 200 000 vezes mais massa, e por uma anã vermelha fria com um terço da massa do Sol [3], que se orbitam mutuamente com um período de 3,6 horas, executando uma dança cósmica tão regular como um relógio.
Este sistema binário de estrelas exibe um comportamento assaz violento. Altamente magnetizada e rodando muito depressa, a anã branca acelera electrões até quase à velocidade da luz. À medida que estas partículas de alta energia se deslocam no espaço, é libertada radiação num raio semelhante a um farol, que fustiga a anã vermelha fria, fazendo com que todo o sistema brilhe e desvaneça a cada 1,97 minutos. Estes pulsos poderosos incluem radiação nas frequências rádio, algo que nunca tinha sido antes detectado num sistema com uma anã branca.
O investigador principal Tom Marsh, do Grupo de Astrofísica da Universidade de Warwick, comenta: “O AR Scorpii foi descoberto há mais de 40 anos, mas não suspeitámos da sua verdadeira natureza até o começarmos a observar em 2015. Percebemos que estávamos a ver algo extraordinário poucos minutos depois de começarmos as observações.”
As propriedades observadas do AR Sco são únicas e misteriosas. A radiação emitida ao longo de uma grande gama de frequências indica emissão de electrões acelerados em campos magnéticos, o que pode ser explicado pela anã branca em rotação. A fonte de electrões propriamente dita permanece, no entanto, um mistério — não é claro se estará associada à própria anã branca ou à sua companheira mais fria.
O AR Scorpii foi inicialmente observado no início da década de 1970 e as suas flutuações de brilho regulares a cada 3,6 horas levaram a que fosse erradamente classificado uma estrela variável isolada [4]. A verdadeira natureza da variação em luminosidade do AR Scorpii foi revelada graças aos esforços conjuntos de astrónomos profissionais e amadores. Uma pulsação semelhante tinha sido já observada anteriormente, mas vinda de estrelas de neutrões — alguns dos objetos celestes mais densos conhecidos no Universo — e não de anãs brancas.
Boris Gänsicke, co-autor do novo estudo e também da Universidade de Warwick, conclui: “Conhecemos estrelas de neutrões a pulsar há quase 50 anos e algumas teorias previam que as anãs brancas poderiam também apresentar um comportamento semelhante. É muito excitante termos descoberto um tal sistema e é também um exemplo fantástico de colaboração entre astrónomos amadores e profissionais.”
Notas
[1] As observações necessárias a este trabalho foram levadas a caso pelos seguintes telescópios: Very Large Telescope (VLT) do ESO, situado no Cerro Paranal, Chile; Telescópios William Herschel e Isaac Newton do Grupo de telescópios Isaac Newton, situado em La Palma, Canárias, Espanha; Australia Telescope Compact Array no Observatório Paul Wild, Narrabri, Austrália; Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA e satélite Swift da NASA.
[2] As anãs brancas correspondem à fase final da vida de estrelas com massas até cerca de 8 vezes a massa solar. Quando a fusão do hidrogénio no núcleo da estrela termina, as variações internas levam a uma drástica expansão da estrela — dando origem a uma gigante vermelha — seguida de uma contração acompanhada pelo lançamento das camadas exteriores da estrela para o espaço interestelar em grandes nuvens de gás e poeira. O que resta é uma anã branca, de cerca do tamanho da Terra mas 200 000 vezes mais densa. O equivalente a uma única colher de matéria de uma anã branca pesa tanto como um elefante na Terra.
[3] Esta anã vermelha é uma estrela de tipo espectral M. As estrelas de tipo M são as mais comuns no sistema de classificação de Harvard, o qual usa letras simples para agrupar as estrelas segundo as suas características espectrais: OBAFGKM.
[4] Uma estrela variável mostra uma flutuação no seu brilho quando vista a partir da Terra. Estas flutuações podem ser devidas a variações de propriedades intrínsecas à própria estrela. Por exemplo, algumas estrelas expandem-se e contraem-se de forma notória. As flutuações podem também ter origem num outro objeto que regularmente eclipsa a estrela. A AR Scorpii foi confundida com uma única estrela variável, uma vez que a órbita de duas estrelas em torno uma da outra resulta também em flutuações regulares no brilho observado.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “A radio pulsing white dwarf binary star”, de T. Marsh et al., que será publicado na revista Nature a 28 de julho de 2016.
A equipa é composta por: T.R. Marsh (University of Warwick, Coventry, RU), B.T. Gänsicke (University of Warwick, Coventry, RU), S. Hümmerich (Bundesdeutsche Arbeitsgemeinschaft für Veränderliche Sterne e.V., Alemanha; American Association of Variable Star Observers (AAVSO), EUA) , F.-J. Hambsch (Bundesdeutsche Arbeitsgemeinschaft für Veränderliche Sterne e.V., Alemanha; American Association of Variable Star Observers (AAVSO), EUA; Vereniging Voor Sterrenkunde (VVS), Bélgica), K. Bernhard (Bundesdeutsche Arbeitsgemeinschaft für Veränderliche Sterne e.V., Alemanha; American Association of Variable Star Observers (AAVSO), EUA), C.Lloyd (University of Sussex, RU), E. Breedt (University of Warwick, Coventry, RU), E.R. Stanway (University of Warwick, Coventry, RU), D.T. Steeghs (University of Warwick, Coventry, RU), S.G. Parsons (Universidad de Valparaiso, Chile), O. Toloza (University of Warwick, Coventry, RU), M.R. Schreiber (Universidad de Valparaiso, Chile), P.G. Jonker (Instituto Holandês de Investigação Espacial, Holanda; Universidade Radboud de Nijmegen, Holanda), J. van Roestel (Universidade Radboud de Nijmegen, Holanda), T. Kupfer (California Institute of Technology, EUA), A.F. Pala (University of Warwick, Coventry, RU) , V.S. Dhillon (University of Sheffield, RU; Instituto de Astrofisica de Canarias, Espanha; Universidad de La Laguna, Espanha), L.K. Hardy (University of Warwick, Coventry, RU; University of Sheffield, RU), S.P. Littlefair (University of Sheffield, RU), A. Aungwerojwit (Universidade Naresuan, Tailândia), S. Arjyotha (Universidade Chiang Rai Rajabhat, Tailândia), D. Koester (Universidade de Kiel, Alemanha), J.J. Bochinski (The Open University, RU), C.A. Haswell (The Open University, RU), P. Frank (Bundesdeutsche Arbeitsgemeinschaft für Veränderliche Sterne e.V., Alemanha) e P.J. Wheatley (University of Warwick, Coventry, RU).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o European Extremely Large Telescope (E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1627pt |
Nome: | AR Scorpii |
Tipo: | Milky Way : Star : Grouping : Binary |
Facility: | Very Large Telescope |
Instrumentos: | FORS2, HAWK-I, X-shooter |
Science data: | 2016Natur.537..374M |